Faltam 2 minutos para o motorista chegar. Já na calçada em frente ao meu prédio, confiro no aplicativo as placas do veículo que vem me buscar, mas antes memorizo o nome do motorista e dou uma olhada nos elogios que já recebeu de outros clientes. A pontuação e o número de corridas são um atrativo à parte. As altas credenciais me deixam um pouco mais segura, afinal vou viajar com um estranho. As histórias diárias de assédio e assalto assustam um pouco. Procuro pensar que vai dar tudo certo e avisto o carro virando a esquina.

Ao me aproximar, ouço o motorista falar meu nome, digo bom dia e entro no carro. Toda vez que vivo essa experiência tenho uma surpresa, ou várias.

Como pratico e recomendo conversas com estranhos, a única certeza que tenho é que um papo vai começar. Numa das viagens, ouvi o sotaque espanhol no GPS e logo questionei: “De onde você é?” “Venezuela”, disse ele. Carlos tinha uns 40 anos e me contou que a falta de comida e, principalmente, de liberdade o expulsaram de seu país. A transferência da esposa de uma multinacional norte-americana para o Brasil trouxe a família pra cá em busca de paz. “Mas, estou sem emprego”, lamentou. O economista e ex-gerente de banco agora é motorista de aplicativo.

Qualificação também não falta para o médico cubano que atuou no Mais Médicos por 5 anos e, com o fim do convênio entre Brasil e Cuba, não tem mais emprego. Casado com uma brasileira, Pablo aguarda o fim do processo de nacionalização para ganhar o título de cidadão, e não pode atuar na área mesmo com mais de 15 anos de experiência como clínico geral. O que ganha como motorista complementa a renda da esposa e ajuda uma amiga, também médica, que faz parte do grupo de profissionais cubanos que ainda não conseguiram colocação profissional. “Ah, então, vocês se ajudam?”, pergunto interessada. “Sim, nós temos uma rede de apoio”.

Apoio é palavra de ordem para quem está em situação de vulnerabilidade como a que viveu Isaura, durante os 20 anos de casamento ao lado de um homem ciumento. Depois de ser quase morta pelo marido, a mulher de quase 50 anos conseguiu dar um basta e recomeçou a vida. “Eu não trabalhava fora e sempre gostei de dirigir. Foi aqui que eu me encontrei e hoje me sinto livre”, desabafou. Uma viagem de Uber é quase uma terapia: para o motorista e para o passageiro.

Clésio, que por coincidência, já me transportou duas vezes, contou que percebeu a tristeza da moça de uns 20 anos logo que ela se sentou no banco de trás. Pelo espelho retrovisor viu as lágrimas dela e ousou interferir: “Olha, eu não tenho nada a ver com a sua vida, mas só vou te falar uma coisa: tudo vai dar certo no final”. Segundo ele, a moça desabou a chorar depois de ouvir o conselho e agradeceu. “Se eu posso ajudar, eu falo. Não consigo ver alguém sofrendo e ficar quieto”, disse o motorista falante e disposto.

Em quase toda viagem ouço uma história de superação, como a do Michael que juntou as economias ao dinheiro da rescisão de contrato no último emprego formal, abriu uma empresa de transporte executivo e comprou quatro carros. O objetivo era atender à licitação de uma empresa pública. Por causa de um erro na documentação, ele perdeu a oportunidade e teve que repassar os automóveis recém comprados. O negócio não durou um mês. Ele virou motorista de Uber pra pagar as dívidas e recomeçar.

Aliás, quem é que parou? ‘Seu’ Cirso nunca para. Depois de uma carreira de mais de 30 anos na área de hotelaria, ele se negou a ficar em casa amparado pela aposentadoria. ‘Eu morreria se ficasse sem fazer nada’, disse o simpático homem de 76 anos que em três anos já fez mais de 18 mil corridas pelo aplicativo e aos finais de semana dá aulas de dança de salão.

Só lamentei o trajeto curto da corrida; por mim teria investido mais tempo com o Cirso, a Isaura, o Michael, o Carlos, o Pablo e o Clésio. Eles reforçaram pra mim:

que ter coragem é fundamental,
que ser ousado é preciso,
que vale a pena ter empatia,
que resiliência engrandece e
determinação é tudo.

E tudo isso ensina muito sobre como ter uma comunicação melhor com você mesmo e com o mundo.

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